Nota de Cumplicidade:
Além de tratar de um acontecimento em particular (30/08/2013) esse texto ressalta a realidade vivida nesse pais, onde o colonialismo é um dos braços armados do Estado. Onde se cria leis que pretendem “proteger” e “reconhecer” aos povos indígenas mas que resultam jogar o papel de imagens éticas pacificadoras… enquanto se seguem burlando e matando naturezas-culturas… Os métodos mudaram, mas os fins são os mesmos… “eles”, xs brancxs podres se movem por dinheiro… “Eles” têm medo de qualquer movimento que veja o mundo de um jeito diferente. O conteúdo simbólico que esses povos transportam na sua historia lhes da medo, lhes faz tremer… porque sabem que são povos que atravessaram 500 anos de tentativa de genocídio, e ainda estão lutando…
O dia 21 de novembro, umas pessoas kaingangs no norte do Rio Grande do Sul entraram na sua terra (terra que foi “legalmente” demarcada pelo Estado brasileiro faz anos atrás, e que também era propriedade do ex prefeito da cidade de Vicente Dutra), reivindicando o que os políticos prometeram para eles, cansados de esperar, decidem atuar pela vida, com pedras, flechas e fogo… pois, só uma palavra nos vem na cabeça: solidariedade!
Que as casas dos políticos ardam, que das cinzas da soja transgênica volte a nascer floresta, rios e pássaros…
De passo, uma saudação ao Frente Anticolonial de Libertação da Terra que escreveu estas fortes palavras, as quais publicamos.
Publicamos também uma nota da imprensa burguesa sobre os acontecimentos do 21 de novembro e uma nota da imprensa reformista Sul 21 que informa sobre a situação.
Vejam! Os brancos nos matam com papéis!
por Frente Anticolonial de Libertação da Terra
Neste continente, nenhum sentimento de revolta é mais legítimo que o das populações ameríndias.
Como se não bastasse a violência colonial, estas populações sobreviventes de tantos massacres, guerras e epidemias tiveram que suportar nas últimas décadas a hipocrisia das “lições de moral” emitida por estados nacionais e elites genocidas.
Mentiras sádicas como “o mito da democracia racial”, e o “respeito governamental pela diversidade cultural” continuam a ser ensinadas para as crianças indígenas em escolas bilíngues, enquanto isso seus territórios seguem sendo ocupados, jovens indígenas engrossam as fileiras dos exércitos de mão de obra barata e dispensável – no chão das fábricas e nas frentes de trabalho nas monoculturas – nos cantos esquecidos do país, uma geração de índios após a outra (como os brancos e negros pobres) está cada vez mais habituada com a escravidão assalariada.
Neste continente, há mais de 500 anos, a estratégia colonial de dominação faz uso tático da distração através da crença de que folhas brancas de papel com marcas de tinta negra são sagradas se contiverem “assinatura”, “timbre”, reconhecimento e carimbo de autoridades. São inculcadas pelas elites coloniais brancas a brancos pobres, a índios e a negros, o engano de que com isto a que chamam “documentos” é possível garantir “direitos”. Que “direitos” vem com o que chamam de “deveres”. Nunca jamais lhes é dito que “dever” é o mesmo que “dívida”, e que “dívida” há milhares de anos, em impérios e civilizações diferentes foi e segue sendo um mecanismo de escravidão.
Os históricos desrespeitos de acordos estabelecendo sucessivas demarcações no Brasil mostram que esta é apenas uma crença para iludir os setores dominados. Sempre que lhes convém, sempre que lhes fosse rentável – governantes, latifundiários e empresários – passaram por cima dos documentos assinados como se não existissem para – assim que a poeira baixasse – propor novos acordos, sugerir novos documentos. Outras crenças utilizadas contra populações submetidas tratam-se da suposta validade de “reuniões” e “visitas” de “autoridades”, “promessas de políticos”, instituições de “secretarias estaduais” e “fundações nacionais”. Maquinações que na aparência se davam para a proteção do interesse dos povos indígenas, tinham como intenção real servir de mecanismo de distração de controle. Exemplos disso no Brasil são o Serviço de Proteção do Índio e sua filha bastarda, a FUNAI.
Estas distrações há muito tempo servem para esconder as tantas orgias administrativas de burocratas parasitas, os muitos massacres silenciados que durante décadas a se perder na história sofreram os povos ameríndios. Se indígenas no contexto brasileiro tivessem de fato uma educação escolar que fosse autônoma, que fosse sua, suas crianças aprenderiam a ler e falar na língua portuguesa a partir de trechos do “relatório figueiredo”. [1]
Mas a consciência é difícil de se apagar entre os povos que há mais de 500 anos resistem e lutam. Sempre haverá quem nunca é enganado por mentiras, e foi com uma frase simples que um ancião deu aos mais jovens seu entendimento sobre esta questão. “Abram os olhos, os brancos nos matam com caneta e papel”.
Para além dos aparatos de distração em massa é preciso enxergar o sistema capital colonial como ele de fato se dá:
I) com base na expropriação e concentração dos recursos na mão das elites.
II) buscando sempre dividir e distrair para conquistar e se perpetuar.
III) corrompendo lideranças indígenas, buscando de todas as formas criar elites indígenas.
IV) submetendo sempre que possível a maior parte à regimes de dívida e escravidão assalariada.
É preciso nunca esquecer que esta máquina desumanizante não pode ser reformada. Ela precisa ser combatida até sua total abolição. A única resposta válida – na busca pela libertação – é se reivindicar anticapitalista, antiestatal e, num nível mais profundo, anticivilizador. Não são poucos grupos que em diferentes continentes se colocam de pé ao se apropriarem desta perspectiva. A história nos mostra que não foram documentos que garantiram a existência da maior parte das terras, e não vão ser papéis como decretos e convenções que salvaguardarão e dignidade das futuras gerações de índios. Somente a brava luta dos povos, apenas a corajosa busca pela destruição deste sistema pode levar à emancipação.
Com flechas e facas, índios depredam carro da PM e agridem homem no RS
Confusão começou depois que um índio bateu em um carro e fugiu do local.
Cerca de 50 indígenas agrediram segurança que fazia a guarda, diz polícia.
Do G1 RS
Insatisfeitos com um homem que chamou a polícia após um acidente de trânsito, cerca de 50 índios agrediram o segurança do Balneário Águas do Prado, no município de Vicente Dutra, na Região Norte do Rio Grande do Sul, no início da madrugada desta quinta-feira (21), como mostra a reportagem do Bom Dia Rio Grande, da RBS TV (veja o vídeo ao lado).
Quando chegou ao local para atender a ocorrência, o carro da polícia ainda foi cercado e depredado pelos indígenas, segundo a Brigada Militar. Ninguém foi preso.
Ainda de acordo com a BM, confusão começou depois de um acidente de trânsito. Um índio conduzia um carro que bateu em outro, dentro de um camping no balneário. Conforme o relato de moradores à polícia, o índio fugiu. O segurança que fazia a guarda do local chamou a polícia e, quando os policiais chegaram, se depararam com 50 indígenas agredindo o vigia. O segurança se refugiou dentro do carro da Brigada Militar. Neste momento, os índios cercaram a viatura e depredaram o veículo. Foram usados arco e flecha, facas e pedaços de madeira.
Um policial conseguiu tirar o carro do tumulto e levou o segurança até o Hospital de Frederico Westphalen. Assim que o veículo da polícia saiu do local onde ocorreram as agressões, os índios atearam fogo na guarita onde trabalha o segurança.
Os indígenas ainda usaram uma motosserra para cortar árvores e impedir o acesso da Brigada Militar. O estado de saúde do segurança agredido é estável.
Segundo a Brigada Militar, os índios reivindicam uma nova demarcação de terras e entendem que aquele trecho é de propriedade deles. A tribo está acampada no local e a polícia faz o monitoramento, mas ninguém foi detido.
Após conflitos agrários, prefeito de Vicente Dutra pede segurança no RS
Município de Vicente Dutra, no Norte, decretou situação de emergência.
Segundo o prefeito, apenas 2 policiais militares fazem segurança na cidade.
Eder Calegari e Tanise Scherer Do G1 RS e da RBS TV
O prefeito de Vicente Dutra, na Região Norte do Rio Grande do Sul, João Paulo Pastori, decretou situação de emergência no município. O decreto foi alegando falta de segurança pública e vale por 30 dias, podendo ser prorrogado. Segundo o prefeito, existem apenas 2 policiais militares que fazem a segurança na cidade, o que seria insuficiente diante dos últimos conflitos entre índios caingangues e agricultores.
As aulas na cidade foram suspensas nessa quinta (21) e sexta-feira (22). “A gente quer segurança, o caos está instalado”, disse Pastori ao G1.
As mobilizações foram para pressionar a homologação de 715 hectares de terra onde vivem 75 famílias de pequenos agricultores. A área já foi demarcada pela Funai em 2012 como área indígena, mas os agricultores ainda não receberam as indenizações e permanecem nas propriedades.
Na noite de quinta, houve confronto com indígenas que reivindicavam a demarcação de terras em um balneário, e os proprietários retomaram a área. O conflito ocorreu por volta das 19h, sem intervenção da Brigada Militar não interveio, de acordo com informações da polícia de Frederico Westphalen, cidade próxima.
No mesmo local, um conflito na noite de quarta (20) começou quando um carro dirigido por um índio colidiu em outro veículo. Segundo a polícia, o segurança do balneário chamou a Brigada Militar e acabou sendo agredido pelos indígenas com flechas e facas. Ele se refugiou em um carro da polícia, que foi apedrejada.
27 de Novembro de 2013 às 08:45
Sul 21 – Localizada na fronteira com Santa Catarina e a poucos quilômetros da divisa com a Argentina, a cidade de Vicente Dutra, no norte do Rio Grande do Sul, tem sido palco de enfrentamentos entre indígenas, agricultores e proprietários de um balneário. O conflito ocorre em uma área já declarada e demarcada como terra indígena. No entanto, parte do território ainda é ocupada por uma estância turística, o que adia a resolução para a comunidade caingangue.
Na última semana, o cenário passou da atmosfera de tensão para episódios de enfrentamento direto. Indignados pela demora na garantia da utilização da área, demarcada em 2004, os indígenas decidiram pela ocupação espontânea do balneário turístico no final da tarde da última quarta-feira (20). A ação terminou num confronto entre indígenas, um vigilante da estância e a Brigada Militar.
Representantes da comunidade indígena afirmaram que o vigilante disparou repetidamente na direção dos caingangues, enquanto que o vigia, que terminou hospitalizado, disse ter sido agredido com flechas e facões. Apesar dos incidentes, o lugar acabou ocupado naquela mesma noite, mas retomado pelos proprietários no dia seguinte.
O episódio deflagrou o acirramento das relações já conturbadas entre os grupos envolvidos na demarcação e indenização de terras no Norte gaúcho. Os indígenas se queixam da demora das ações tanto do governo federal como do estadual, ao mesmo tempo em que agricultores e demais proprietários temem perder a propriedade da área em que se fixaram nos últimos anos. A Constituição federal, no entanto, assinala como dever do Estado a demarcação de áreas tradicionalmente indígenas.
Em carta publicada no seu site oficial, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI) afirmou que as lideranças indígenas que participaram de alguma maneira da ação têm recebido ameaças e tentativas de intimidação, por telefone e pela internet.
Entretanto, permanecem na área próxima ao balneário Águas do Prado. A nota também afirma que, segundo os indígenas, o funcionamento da estância dificulta a “homologação e desintrusão” da terra indígena.
Para Elton Scapini, diretor-geral da Secretaria de Desenvolvimento Rural do Rio Grande do Sul, a situação em Vicente Dutra tem traços distintos em relação a outras disputas. “Ali, temos a situação de ser uma área de fronteira. Nos anos 1960, houve um acordo entre os governos federal e estadual e a União delegou ao estado o processo de titulação nestes territórios. Mas a responsabilidade, de qualquer maneira, permanece com a União. Além disso, há uma situação particular nesta cidade que envolve a área termal”, afirma Scapini.
A princípio, os agricultores removidos recebem indenização pelas benfeitorias em ocupações de boa-fé, mas o governo federal estuda ampliar a indenização para a propriedade das terras – o que facilitaria o processo indenizatório e a retomada dos territórios pelos indígenas. “Em Vicente Dutra, área já declarada e demarcada, isso pode resolver a questão, mas é uma interpretação minha. Em outros lugares, os agricultores não querem nem ouvir falar em indenização e falam que vão permanecer nos locais”, declara o diretor-geral da secretaria.
Em reunião realizada após o episódio, segundo o site do CIMI, representantes do Ministério Público Federal (MPF) e da Fundação Nacional do Índio (Funai) firmaram um acordo que busca a garantir a indenização e o reassentamento de vinte agricultores de Vicente Dutra até março do ano que vem.
Videos: http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=Bchmg7-jy9o