Escrito de Gabriel Pombo da Silva: De Janeiro a Outubro- A luta segue.

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Nota de Cumplicidade:

“A memória viva não nasceu para servir de tinta. Tem mais a vocação de ser uma catapulta. Não quer ser um porto de chegada, mas um porto de partida. Não nega a nostalgia mas prefere a esperança, os seus perigos, suas intempéries…” Jann-Marc Rouillan

O companheiro anarquista Gabriel Pombo da Silva está há quase 30 anos em prisão, uns 20 nas prisões mórbidas do Estado espanhol. Tem se enfrentado ( e segue fazendo-o) a muitos castigos e regimes de isolamento que dispõe aquele Estado para tentar sujeitar a  quem não cede as suas exigências. Gabriel forma parte daquelxs para quem o encarceramento não significa o fim da revolta! Motins e tentativas de fuga, nos anos 80 e 90, o sistema carcerario espanhol foi sacudido por numerosos atos individuais e coletivos de ofensiva. Por ter participado, Gabriel foi preso, como várixs outrxs, no regime FIES, destinado a erradicar toda tentativa de rebeldia. Em outubro de 2003, Gabriel decidiu não voltar a jaula depois de uma permissão. No dia 28 de junho de 2004, após um controle da polícia que acabou mal e em um tiroteio para não cair nas mãos dos policiais, foi preso em companhia da sua irmã Begoña e dos companheiros Bart de Geeter e José Fernandes Delgado (esse último também em fuga das prisões espanholas).  No dia 25 de setembro daquele ano José-também é acusado de assalto- é condenado a 14 anos de prisão, Gabriel a 13, Bart a 3 anos e meio e Begoña a 10 meses de prisão com remissão condicional da pena. Bart sai em 2007, José –depois de vários traslados- se encontra atualmente na prisão de Rheinbach (Alemanha), Gabriel cumpre a sua pena em Aachen, onde se nega a obrigação de trabalhar, pelo que permanece 23 horas sobre 24 em uma célula. Uma forma de escapar é mantendo uma correspondência com companheirxs de todos os horizontes.
Agora se encontra na Galícia, na prisão de A Lama, no regime FIES, como nos relata nesta carta.

Suas palavras atravessaram todos os muros das prisões e fronteiras, desde o território dominado pelo Estado brasileiro, queremos abraçar a sua firmeza frente a tantos anos de encarceramento… Por muito que nos separam os quilômetros,  nas ânsias de romper, com a nossa solidariedade ,os quilômetros e as fronteiras que nos separam, difundimos por esses lares fragmentos de uma vida toda em combate… e fazemos nossa a historia daquele guerreiro!

Morte ao Estado e que viva a Anarquia!


Escrito de Gabriel Pombo da Silva: De Janeiro a Outubro- A luta segue.

Axs meus amigxs, irmãxs e/ou companheirxs

Ainda lembro como se fosse ontém mesmo o dia no qual, por fim, abandonei (expulso) esse frio mórbido asséptico e hermético que foi a prisão de segurança máxima de Aquisgran (Aachen) na Alemanha… No dia 16 de janeiro (2013) cheguei no aeroporto de Barajas (Madrid) escoltado pela Interpol; e daí me dirigiram aos Tribunais da Praça Castilla; não sem antes ter sido fotografado (com especial interesse no peito, pois esperavam, a toa, encontrar tatuado o acrônimo da FAI/FRI), “tocado o piano” (tirar as impressões digitais) para se assegurar que, efetivamente, era eu… Devo dizer que deveria ter abandonado a Alemanha em dezembro e/ou novembro; mas isso foi repentinamente “bloqueado” posto que a Republica da Itália tinha interposto uma “OEDE” ante a Bundesanwaltschaft de Karlsruhe com a intenção de me extraditar pelo relativo à “Operação Osadia”… Por “sorte” (ou pelo fato de ser juridicamente “cidadão espanhol”, reclamado por uma OEDE apresentada com anterioridade por esse pais) os “Digos”(1) italianos tiveram que “ficar com vontade” (momentâneamente), quando o tribunal alemão (após várias “gestões” jurídico-policiais) decidiu que as “acusações indiciárias” vertidas contra a minha pessoa pelo ROS eram (e são) insuficientes para conceder à Republica italiana minha extradição.

Assim, tive a sorte de me salvar de conhecer o “Bel Paese” através das suas prisões e sistema jurídico… “Ingênuamente” acreditava que, finalmente, tinha me “tirado de cima” aos Digos com as suas delirantes acusações e podia acabar de “terminar” resto do meu sequestro legal nesse país.

Me resulta impossivél resumir em umas folhas de papel todas as impressões-idéias-emoções que senti quando deixei atrás a prisão de Aachen e a Alemanha no seu conjunto… após oito anos e meio “sepultado vivo” nesse país (23 horas por dia trancado em uma cela e uma hora de pátio diária) por me negar em desempenhar “trabalhos forçados” e me vestir do uniforme de presidário (além de terem me roubado e sabotado sistemáticamente minha correspondência: com o qual me foi tirando a vontade de escrever de maneira gradual nos últimos anos…) acreditava que “o pior” ficava definitivamente para trás… Finalmente ingressei na prisão de “Soto del Real” a meia noite. Qual não seria a minha surpresa quando constato QUANTO tinham mudado “as coisas”  nesses quase 10 anos de “ausência” (exílio?) forçoso das masmorras hispânicas!

Fiquei estupefato ao constatar/ver que os próprios presos (verdadeiros auxiliares de carcereiros) encarregavam-se de registrar os meus pertences junto com os carcereiros. Esta primeira impressão foi um duro golpe moral para mim. Surpreendentemente (jà que eu contava com ser classificado em primeiro grau e incluído no FIES, nada mais ao chegar…) no dia seguinte me recebem o diretor e subdiretor de dita prisão para me comentar/dizer que lhes tinham chamado desde a mesmíssima “D.G.I.P” (literalmente me disseram que quando os “chefes” viram o meu nome se acenderam as “luzes vermelhas”) para que me perguntassem “com que intenções voltava”. Com ironia respondi que as intenções minhas sempre tinham sido (e serem) as mesmas: conquistar a minha liberdade… Me notificam que cumpria “minha” pena (isso logo se  notifica a mim, em um documento que se denomina “liquidificação de penas”) no dia 10/4 de 2015… e além disso que permaneceria no segundo grau e que me trasladariam a minha terra na maior brevidade possível…

Que vou  contar para vocês? No final “pareceria” que depois de mais de 28 anos de prisão “só” deveria esperar “apenas” um par de anos para poder desfrutar da minha ansiada liberdade.

Afastado ,isolado,  segregado durante os últimos anos de sequestro na Alemanha, TUDO o que ia olhando-escutando-sentindo era simplesmente alucinante… Foi uma “overdose” auditiva, visual, sensorial, emocional, indescritível… Em certo sentido (e em comparação ao sofrido na Alemanha) já me sentia “meio livre” e estava aprendendo de novo a me “esclarecerr” com isso de me ver sobrepassado pelo meu “novo” entorno; com “tanta gente”, com tantas horas de pátio, com tantas cores e as “lindas vistas” até a Serra de Navalcernada… O “único” negativo foi constatar que os carcereiros se tinham feito com os pátios e a maioria dos presos tinham se tornado gestores da sua própria prisão, além de “auxiliares de carcereiros”… Obviamente, fui dirigido em um módulo de “conflitivos” e aí (Módulo 5) pretenderam os carcereiros que dividiria a cela com outro preso… Dado que me neguei por completo em “dividir cela” com preso nenhum, fui dirigido ao Departamento de isolamento no dia 17 de janeiro pela noite… e além disso me castigaram com duas faltas “muito graves” por (segundo eles) “ameaçar com golpear ao preso com o qual pretendiam que convivesse” e “me negar e  resistir” a obedecer às ordens dos carcereiros.

Depois de um dia em isolamento, no dia 18 de janeiro me voltam ao módulo 5 e essa vez me dão uma cela para mim sozinho… Porém, no dia 30 de janeiro me notificam que fico incluído no FIES-5 (características especiais). Isso o tomei com certo senso do humor, pelo menos (me disse a mim mesmo) não terei que  buscar mais “castigos disciplinares” pelo tema de “dividir cela” com alguém… Bom… agora só esperava que chegasse o meu traslado à Galícia tal e como me tinham dito no momento do meu reingresso… No dia 16 de fevereiro me dizem que recolha as minhas “coisas” que me ia de condução. Não quiseram me dizer em que prisão mas pensava que seria a qualquer das existentes na Galícia. Qual não seria a minha surpresa quando me dou conta que me levam para Alicante? Em Alicante me notificam também a limitação e intervenção das comunicações (telefônicas, escritas etc.)… já não entendia nada.

Os primeiros meses tanto no Soto do Real (Madrid) como em Villena (Alicante) põem-me todo tipo de travas e impedimentos para comunicar e/ou falar por telefone, tanto com a minha companheira como com a minha família. Porém a presença de vários presos da ETA fazem que minha estadia seja algo mais divertida… Supreendentemente no dia 20 de março, a D.G.I.P decide me tirar da inclusão no FIES-5 (C-E) e me levantar a sua vez, a intervenção e limitação das comunicações… Inclusive me “autorizam” poder ligar para a minha irmã por telefone, à minha companheira e ao advogado… Porém no dia 3 ou 4 de abril me dizem que volte a recolher as minhas coisas que vou de condução. Inocentemente acho que finalmente me levam para Galicia… mas, qual não seria a minha surpresa quando me dizem que vou a Valdemoro? E que vou fazer eu em Valdemoro? A resposta não se faz esperar e no dia 9 de abril me levam ante a Audiência Nacional: os “Digos” voltavam ao “contra- ataque”. Me nego em prestar declaração nenhuma e rechaço o advogado (de ofício) que me dão. No dia 16 de abril volto a ser citado, essa vez com o meu advogado. Não tenho NADA que declarar sobre as acusações das que sou objeto por parte do R.O.S, e… Porém me decretam a “liberdade provisional” entretanto e enquanto ainda me encontro cumprindo pena nesse pais e para “me extraditar temporáriamente” na Itália se deve pedir uma “rogatória internacional” a Alemanha (dado que eles me entregaram a Espanha e não aceitaram os indícios supostamente incriminadores do R.O.S contra a minha pessoa) e devo cumprir “minha” pena na Espanha… O mês de abril, o passo praticamente em Valdemoro e é aqui onde tenho as minhas primeiras comunicações, tanto com a minha irmã como com a minha companheira. No dia 30 de abril me encontro de novo em Alicante. Finalmente no dia 31 de maio tenho o meu primeiro “vis-à-vis” com a minha companheira e se vão regularizando periodicamente e com “normalidade” tanto as chamadas como as visitas com outrxs companheirxs.

No dia 15 de julho finalmente abandono a prisão de Villena com destino a “A-LAMA”… chego na Galícia no dia 25 de julho. No dia 27 me notificam a “intervenção e limitação” das comunicações (simplesmente “porque sim”) com data do dia 23 de julho! Quer dizer que ainda não tinha chegado a essa prisão quando o subdiretor decide (a título pessoal e contra da resolução da D.G.I.P  e o J.V.P de Villena) voltar mais um passo atrás e não cumprir as próprias “normas”, “normativas” e “diretrizes” dos seus superiores e do poder judicial. E dado que me nego em assinar dito acordo (unilateral e arbitrário) não  lhe ocorre nada melhor que me voltar a incluir no FIES-5 no dia 9 de outubro!

Simplesmente tenho decidido deixar de escrever ( o que sempre tinha sido minha janela até o exterior) desde que cheguei nessa prisão, porque me nego a que um “qualquer” que exerce de pequeno chefe local, decida a quem e quando escrever e o que ler…

A tudo isso e em sucessivas “liquidificações de pena”, acabo por não entender que merda de sistema jurídico-penal é esse que me concedem várias: a) ( a primeira) no Soto do Real com data de saída 4/4 partes cumpridas no dia 10-4-2015; b) ( a segunda na Villena-Alicante) com data de saída no ano 2033!! E c) ( a terceira no A-Lama) onde põe que cumpro (3/4 condicional) em janeiro do 2015 e a total (4/4 partes) no ano 2020. Obviamente tudo isso ( a nova inclusão no FIES mais a intervenção de correspondência mais liquidificação de penas) se encontra recorrido ante o JVP de Pontevedra. Se esse JVP aplica sua lei deveria ser posto em liberdade no ano que vem.

A todxs xs companheirxs devo de dizer que além do que dizem seus “papéis jurídicos” e suas sujas manobras políticas, levando como levo 29 anos preso, não vou entrar nas provocações destxs miseráveis agora que minha LIBERDADE está ao alcance da minha mão… Me consta que o mero fato de escrever isso (a minha verdade) lhes pode dar Pé aos carrascos para novos “translados” (já sejam de módulo ou de prisão) e/ou “castigos” de tipo administrativos.

A situação carcerária nesses últimos anos de “ausência” forçada tenha mudado a tal ponto de que tudo está irreconhecível para mim.

Existe agora (começou faz alguns anos…) em todas as prisões do Estado espanhol uma “novidade” que se denominam “módulos de educação e respeito” e/ou “módulos de convivências”. Em umas prisões esses módulos ja são majoritários. Mas que quer dizer isso? Quem deseja que se aplique a lei ( o que lhes corresponde por lei e não pelo benefício de uns usurpadores) devem de ir a um desses “módulos de respeito” onde assinam um contrato onde lhes “programam” as atividades que devem de fazer obrigatoriamente (o qual vai contrariamente à L.O.G.P) como limpar, estudar, fazer esporte etc. Os próprios presos são os encarregados de executar as funções de carcereiros e “técnicos” chegando a controlar a seus próprios “companheiros”, a mediação (eufemisticamente as drogas com que empinam aqui aos presos) é cagueta-los por se levam drogas ilegais ou fumam (ou não trabalham) em zonas proibidas. Inclusive fazem “assembléias” onde uns se “caguetam” dos outros. Ir por um desses módulos, supõe renunciar (ou seja delegar tudo aos funcionários) aos “direitos” contemplados na L.O.G.P que tantos mortos e sangue nos custou aos/as “velhxs combatentes”. Visto pelo visto ( e dado que nego a tragar aquela porra) prefiro conviver nos chamados “módulos conflitivos” e lutar pelos meus “direitos” (aqueles pelos quais já lutei) e não “delegar essa responsabilidade” a um grupo de traidores e carcereiros.

Quero ressaltar que isso que aqui escrevo não pretende ser “ chamado à solidariedade” com a minha situação. É tão só uma “radiografia” da minha situação ( e a de outrxs tantxs que não  baixaram as calças) e uma constatação de que as suas “leis e direitos” são um lixo, papel molhado, algo com o qual pretendem se investir “eles” de “ordem” e “legitimidade” e assim mesmo justificar o monopólio da violência (legal e armada).

O que eu penso e acredito o fui ( e sigo fazendo em menor escala) refletindo nos meus textos e em cada ato da minha vida.

Minha solidariedade é agora (como sempre) com todxs xs que lutam: Jamais vencidxs, nunca arrependidxs!

Em luta até que todxs sejamos livres!

Pela Anarquia!

A-Lama, Outubro de 2013

Nota: Não me chegam nem correio nem as publicações anarquistas, mas estou aproveitando para traduzir o livro do companheiro Thomas Meyer Falk.

 

Notas:

(1)Polícia política Italiana

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