Sobre cegas/os que percebem apenas a pata do elefante que lhes pisoteia

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Acho que muita gente conhece a historinha da/os cega/os que, querendo saber como é um elefante, começaram a tocar um desses animais e, cada um, à medida que apalpava alguma das suas partes, descrevia o elefante como tendo a forma daquela parte que tocava, de modo que, quem tocava a tromba dizia ‘um elefante é longo e parece um cano grosso’, quem tocava a orelha dizia ‘um elefante é como uma grande e larga folha de uma palmeira’, quem tocava o rabo dizia ‘um elefante é como um pequeno chicote’, quem tocava a perna dizia é um elefante é como uma grossa e alta coluna’, e paremos por aqui.

Hoje, no Brasil, temos a oportunidade de assistir, com uma carga maior de dramaticidade patética, o já tradicional (não apenas no Brasil, mas no mundo) espetáculo da/os cegos ‘desvendando o segredo’ do elefante: diante das revelações (delações e documentos) cada vez mais comprometedoras do sistema como um todo, uns dizem, ‘as delações e provas contra a/os vermelhos são falsas, isto é uma conspiração, mas as contra a/os amarelos são confiáveis’; outros dizem ‘as delações e provas contra a/os amarelos são falsas, isto é uma conspiração, mas as contra a/os vermelhos são confiáveis’; e uns terceiros dizem ‘a única coisa confiável é a Lei, os políticos e o mercado não merecem confiança’; e por aí afora… Mas, e o elefante nisso?

O elefante é muito maior que ‘vermelhos’, que ‘amarelos’, que a própria Lei. É para isto que o acúmulo de delações e documentos das investigações da Operação Lava Jato apontam – isto ‘para quem tem olhos para ver’, claro.

Como se já não bastassem as delações da Odebrecht e da OAS, que apenas reforçam aquilo que qualquer pessoa não manipulada por catecismos da direita ou da esquerda já sabia, ou seja, que as mega empreiteiras têm associações ‘ilícitas’ com mandatários pertencentes a partidos e bandeiras políticas de todas as cores – desde ‘coxinhas’ até ‘catchups’ (aqueles ‘vermelhos e sem consistência’), desde a direita até à esquerda, desde o Brasil até o exterior, inclusive, até governos ‘anticapitalistas’, como o do Presidente Maduro na Venezuela -, agora, as delações dos proprietários do mega frigorifico JBS vêm corroborar isto, ao deixarem claro que tanto Michel Temer, quanto Aécio Neves e o Ministro de Lula e Dilma, Guido Mantega – em nome do PT – estavam associados ‘ilicitamente’ aos interesses deste grande grupo econômico.

O curioso é que estas mais recentes denúncias, que atingem em cheio os – supostos – grandes ‘desafetos’ do PT – além de atingirem o próprio PT – foram feitas pelas empresas Globo de Comunicação, ou seja, justamente aquela empresa que a/os ‘filha/os políticos de Lula & Dilma’ acusam de ser a grande perseguidora do seu partido e apoiadora do ‘golpe’. E o mais curioso vai vir quando, durante o aprofundamento desta questão, se desvelar mais o processo do investimento bilionário que o Governo Lula fez neste mega empreendimento de exploração da vida animal (frigorifico JBS) e que, ainda por cima, além de não ter ressarcido o investimento feito por este governo de esquerda, lesou também a população de consumidores dos seus ‘produtos’, colocando a venda no mercado carne estragada ‘maquiada’ com coisas como ácido e papelão. Neste momento – quando esta relação ‘íntima’ entre o Governo Lula e a criminosa JBS for desvelado -, será muito mais curioso ver muitos argumentarem: ‘não, mas as delações da JBS só valem contra os amarelos, não valem contra os vermelhos’.

E o danado do elefante nisso?! Será que entrou nessa história só porque ‘o coringa do baralho’ agora é um mega frigorífico?

Não: o ‘elefante’ aqui, ‘para quem tem olhos para ver’, é o capitalismo global. E a/os ‘cegos’ são a/os militantes partidários de esquerda (a/os ‘vermelha/os’), a/os militantes partidários de direita (a/os ‘amarela/os’) e a/os ‘legalistas’: toda/os estes são cegos que só enxergam partes do elefante que é o sistema global e assim, caem na esparrela de pensar que ‘a solução para os desmandos’ do sistema está na mudança de um grupo qualquer no poder político por outro e/ou que – ‘a solução’ – está na mudança da Lei (da Constituição). Mal sabem que ‘o elefante’ é muito maior que este ou aquele grupo político, que é maior até mesmo que as próprias fronteiras dos Estados e suas constituições. Dinheiro não tem cor partidária e nem limites de fronteiras, tanto que as mesmas mega empresas mantêm associações ‘ilícitas’ tanto com grupos políticos da esquerda quanto com grupos da direita, tanto com os poderes da sua nação de origem, quanto de outras nações.

E para a/os nacionalistas ‘socialistas’ e/ou legalistas que dizem que ‘é menos ruim’ para o povo que mega empresas nacionais se fortaleçam e que o que se deve fazer é reformular os aparatos jurídicos para coibir melhor os ‘desvios’, lembramos que em países ‘democráticos avançados’ como a Islândia, a indústria pesqueira nacional daquele país viola as convenções internacionais de proteção das espécies marinhas de modo que está contribuindo decisivamente para a extinção completa das espécies oceânicas de peixes (colocando em risco, assim, não apenas a sobrevivência do planeta, mas também a do seu próprio povo, claro); que na Alemanha a Volkswagen adulterou resultados de testes de equipamentos de controle de emissões de gases poluentes dos seus automóveis (burlando a lei), pondo em risco assim a saúde do próprio povo alemão e que, sua resposta à sociedade foi trocar a presidência da empresa; que na Suíça os bancos que enriqueceram aquele país com práticas de lavagem de dinheiro oriundo das atividades criminosas internacionais mais hediondas – atividades criminosas estas que vitimam indiscriminadamente cidadãos do mundo inteiro, inclusive suíça/os, tal como o tráfico de órgãos – exerceram uma verdadeira censura sobre o pesquisador e professor Jean Ziegler, que foi obrigado a pagar uma indenização astronômica a estes banco s (além de ter sofrido ameaças de morte) por ter publicado um livro desvendando todos estes esquemas financeiros dos ‘donos do mundo’ (termo dele), etc. Isto sem lembrar que, não é pelo fato de a PETROBRAS ser estatal, que seus trabalhadores deixaram de ser super explorados, que sua atividade deixou de provocar impactos ambientais altamente danosos e, mais do que isto, que o uso do petróleo como combustível deixou de agravar cada vez mais o problema do aquecimento global.

Os discursos sobre a atual ‘crise institucional’ que afirmam que ‘isto só acontece no Brasil’, que ‘é preciso eleições gerais já e uma nova constituinte para mudar isto’ e que ‘isto é uma disputa entre os interesses nacionais e internacionais’, são discursos de ‘cega/os’, que não enxergam que ‘o elefante’ é muito maior, pois o sistema globalizado constitui-se de tal modo que não existem mega empresas ‘comprometidas’ apenas com seus povos de origem: ontem como hoje, o compromisso do Capital é com o lucro (lembremos aqui que a IBM – gigante estadunidense da informática – forneceu tecnologia para os campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra e que banqueiros alemães ‘investiram’ no projeto dos líderes revolucionário russos Lenin & Trotsky), além de – o compromisso do Capital ser – com a manutenção da ‘ordem’ social dividida entre ‘a/os de cima’ e ‘a/os de baixo’ – pois isto garante que a/os que mandam possam dominar e explorar a/os que obedecem – mesmo que esta ‘ordem’ seja de um governo ‘socialista’.

Para preservar esta ‘ordem’, o Capital é capaz de descartar até antiga/os aliada/os, dependendo das circunstâncias, e esta compreensão resolve o aspecto da questão que fica mal resolvido no discurso dos partidários tanto da esquerda quanto da direita, ou seja, a visão maniqueísta segundo a qual ‘quando as denúncias são contra a/os outra/os, são verdadeiras, quando são contra os meus, são fruto de uma conspiração’ – mesmo que ambas as classes de denúncias venham de uma mesma fonte: para mega empresas transnacionais como o Grupo Globo de comunicação, as megas empreiteiras Odebrecht e OAS, o mega frigorífico JBS etc., o importante é que ‘vão-se os anéis, ficam os dedos’, ou seja, mudam os mandatários, fica o poder.

E enquanto persistirem na limitação da visão que afirma que ‘a solução’ está em ‘renovar’ o sistema político, ‘o/as de baixo’ permanecerão como cega/os, sem perceberem nem mesmo que ‘o buraco do elefante’ – quanto mais o seu ‘cérebro’ – está muito mais acima das comandadas patas que lhes pisoteiam.

Vantiê Clínio Carvalho de Oliveira

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