Recebido no email:
Já se passaram quase cinco meses desde o dia em que nos detiveram sob a
acusação de pertencer a uma organização criminosa com fins terroristas, e
talvez possa parecer um pouco estranho ver uma convocatória de
solidariedade a essas alturas. Mas, levando em conta as acusações da
polícia e do juiz, não somos e nem éramos um grupo organizado com um
trabalho em comum, por isso e por cinco de nós durante quase dois meses
terem estado no cárcere, com todo o trabalho que isso comporta, não é fácil
nos juntar para falar e nem fazer nem um comunicado e nem um posicionamento
frente a nada. Por isso, sai agora este texto feito em consenso e que
talvez seja aplicável à solidariedade com outras pessoas e coletivos.
Como bem se sabe, no último 30 de março ocorreu a chamada “Operación
Piñata” a cargo da Polícia Nacional, na qual 15 pessoas foram detidas entre
as cidades de Barcelona, Madri e Palencia, todas nós de militância
anarquista e/ou antiautoritária.
5 pessoas foram sequestradas pelo Estado por meio de prisão preventiva
durante dois meses, enquanto que as 10 restantes foram postas em liberdade
com acusações a espera de julgamento, todas acusadas de organização
criminosa com fins terroristas.
Em todos estes meses (tendo em conta também as mostras de solidariedade em
relação a anterior “Operación Pandora”), os gestos solidários para dar
visibilidade e mostrar rechaço à estas operações repressivas ocorreram por
todo o globo e nos fizeram sorrir em certos momentos cinzas. A
solidariedade é uma ferramenta inerente a toda luta e mais ainda quando o
Estado golpeia. Para que esta responda verdadeiramente a seu nome, não é e
nem pode ser controlável nem dirigida por ninguém. A expressão solidária
não entende nem de normas, nem de hierarquias, sendo assim válidas todas as
suas expressões.
A legitimidade de analisar um golpe repressivo, ou de marcar quais são os
limites tanto discursivos quanto práticos dos atos solidários, não são nem
podem vir feitos somente por aquelas pessoas acusadas ou mais próximas dos
casos, sobretudo quando se pode considerar que os grupos fixos ou de apoio
não específico são os únicos válidos como perspectiva de luta para
confrontar a repressão, mas que a solidariedade tem que partir da mão da
iniciativa individual e autônoma assim como de sua capacidade de adaptação
em cada caso e momento de conflito.
Considerando que não temos o poder de dizer nem como e nem quando, mas sim
com a intenção de fazer um chamado de solidariedade e buscando que esta se
estenda em todas as suas formas e relembrando que, apesar do que a acusação
considera, as pessoas aqui fora presentes, não têm e nem tinham um trabalho
político prévio em comum, e queremos definir uma linha de acordos mínimos
neste chamado de solidariedade:
– Que ninguém fale em nosso nome, como nós não falamos em nome de nenhuma
outra pessoa e nem de nenhum coletivo.
– Não queremos nenhum tipo de vinculação, nem que se busque o apoio de
partidos nem instituições políticas. Porque, como é evidente, não apenas
significa um choque frontal com nossas ideias políticas, mas porque
tampouco queremos que nenhum partido ou instituição do Estado ganhe crédito
político às nossas custas.
– Que não se coloque a dualidade inocência/culpa. Sabemos que este é um
ataque à dissidência e não somos nós que atuaremos em termos de inocência
ou culpa. Buscar a absolvição das pessoas “inocentes” pode significar
assinalar “as culpadas”, além de obrigar (as pessoas acusadas) a se
posicionarem sobre determinadas práticas ao invés de analisar a situação
repressiva em si. Além disso, se reduz tudo a um mero conflito legal – se
tem-se relação com o delito ou não – ao invés de colocar a repressão como
um fato político.
– Que não se fale de montagem policial, levando em consideração que neste
caso se dá uma clara construção de um inimigo interno graças a tão banal
literatura policial. A palavra montagem foi usada abusivamente por parte
dos diferentes movimentos de esquerda no passado, e seu abuso deslegitima
as práticas de luta de muita gente, além de enfrentar a repressão somente a
partir do posicionamento do binômio inocência-culpa. Seguindo a lógica
anterior, falar de montagem policial em alguns casos leva a entender que no
resto a atuação policial seria justificável. Ainda assim, é evidente que a
policia mente e inventa provas, que os meios de comunicação propagam estas
mentiras e que os juízes encarceram sem diferenciar-se de toda a literatura
policial que é apresentada em cada caso. E isto acontece sempre, desde o
atestado policial exagerado que ajuda a encarcerar o batedor de carteiras
reincidente, até a enésima operação antiterrorista. Este posicionamento, em
si mesmo, é fruto de evitar a existência de um conflito aberto entre o
Estado e todo aquele que se posicione e atue contra seus interesses e sua
ordem estabelecida, e de cujo confronto se deriva uma repressão lógica. Não
consideramos tal repressão nem mais nem menos legítima quando se efetua a
partir de provas sobre atos que o estado decide que são criminosos (e
penalizáveis desta ou daquela forma) segundo seus interesses ou quando se
materializa na forma de uma construção policial onde as peças se encaixam a
seu gosto… desta forma, o objetivo é o mesmo: eliminar, paralisar e
silenciar um discurso e práticas políticas que confrontam diretamente seus
interesses e que por tanto se tornam incômodas para o poder.
– Não consideramos os meios de comunicação de massas como canais
utilizáveis, já que tais meios possuem um papel crucial, entre muitas
outras coisas, na construção da imagem do inimigo necessária em cada
momento. É clara a vinculação de todos eles com os diferentes interesses
políticos, assim como sua total dependência de seus benfeitores econômicos.
É o circo midiático que criminaliza, aponta e legitima a repressão. É
especialmente delicada a situação de todas aquelas pessoas que estão sendo
acusadas de yihadismo em uma nova tentativa de criar um inimigo exterior
que esteja de mãos dadas com o inimigo interior. Ambos legitimam a
existência de todo o aparato antiterrorista.
– Não é um ataque contra as ideias como algo abstrato. Por detrás das
palavras existem práticas consideradas muito mais perigosas pelo status quo
atual e contra as quais se lançam estas acusações de terrorismo. A própria
definição de terrorismo é voluntariamente ambígua para que possa ser
adaptada em função dos desejos e necessidades da polícia e dos juízes. É a
auto-organização, a criação de redes de apoio mútuo e de pontos de encontro
com outras lutas, a extensão da solidariedade, a criação de comunidades… o
que se ataca. E é por isso que os últimos golpes repressivos, amparados
pela lei antiterrorista, não estão separados dos que tem golpeado
companheiros da Galícia ou no meio de esquerda abertzale. Da mesma forma
que se está atacando xs grevistas, ou as companheiras detidas durante
manifestações e/ou desalojos, etc.
– Também gostaríamos de relembrar o fato de que entre as pessoas acusadas
nesta operação existem companheiras que se definem como anarquistas e
outras que não, e que tampouco necessitam se definir de nenhuma forma. É
importante frisar isto porque ver nestas operações um ataque unicamente
contra o meio anarquista significa simplificar e reduzir o conflito x a um
meio, definido como tal a partir da própria repressão e isolá-lo do resto
das lutas. Não esqueçamos que se trata de um ataque contra um conjunto de
práticas utilizadas no passado, e esperemos que muitas se mantenham no
futuro, por diferentes movimentos políticos.
Dito tudo isto, só nos resta mandar uma saudação fraternal cheia de força a
todas as companheiras alvos de represálias em diferentes casos,
circunstâncias e ideias políticas, especialmente as que se encontram
sequestradas na prisão.
Entendemos a repressão como algo inerente a toda luta que busque
transformar nossa realidade de miséria e exploração. Por isso…
…a luta é o único caminho.